É preciso ter a franqueza de admitir: a fantasia de toda pessoa que deseja perder peso (e até das outras!) é poder comer de tudo, tanto quanto queira, e, em seguida, tomar um comprimido para emagrecer (ou para não engordar)…
O medicamento ideal, no entanto, para ser aceitável no plano médico e ético, deveria responder a alguns critérios:
Ter eficácia comprovada por experimentações confiáveis e que possam ser reproduzidas.
Oferecer tolerância, ou seja, pouco ou nenhum efeito colateral.
Não provocar dependência, nem toxicomania.
Apresentar efeito estável, já que uma eficácia menor, ao longo de meses, iria impor um aumento das doses para alcançar resultados idênticos, a Ausência de toxicidade a longo prazo.
Significa dizer que esse comprimido ainda está bem longe de se tornar realidade, já que hoje nenhum produto se aproxima desse ideal!
Contudo, o que dizer dos remédios que foram ou ainda são propostos no tratamento do excesso de peso?
Diuréticos
Lembremos que emagrecer consiste em perder uma certa quantidade de gordura. Ora, os diuréticos só eliminam água, forçando a pessoa a urinar mais abundantemente. Seu resultado mais visível é o ressecamento da pele seca, abatimento geral, fadiga, vertigens e queda da pressão arterial, eventualmente até o desmaio. Ademais, com a água são eliminados sais minerais (sódio, potássio etc.), o que agrava a fadiga e pode favorecer outros problemas, como caibras.
Por outro lado, ao fim do tratamento, o corpo reage como uma esponja que estivesse há muito comprimida e recupera muito rapidamente sua água e seu sal, sem contar que podem aparecer edemas, com risco de tornarem-se rebeldes. Ora, por conta de seus efeitos colaterais, o tratamento não pode ser mantido por muito tempo. É preciso estar consciente também que, a longo prazo, o efeito diurético é menos notável, já que o organismo adapta seu metabolismo para tentar suspender essa perda inoportuna de água.
É raro que os médicos que ainda prescrevem esse tipo de medicamento tenham a coragem e a honestidade de escrever com todas as letras nas suas receitas o nome de um diurético conhecido e habitualmente prescrito para tratar doenças específicas. Eles disfarçam usando o nome químico (desconhecido dos pacientes), incorporando-o discretamente às preparações manipuladas pseudo-homeopáticas.
Raciocinando da mesma maneira, desconfie de certas plantas ou de preparações batizadas como “drenagem”, ou que apregoem “eliminar toxinas”, as quais, sob um ar falsamente natural, têm um verdadeiro efeito diurético, mesmo que ele seja menos drástico do que o dos medicamentos.
Entre as plantas diuréticas, estão: pilosela, cavalinha, funcho, aspargo, cassis, bétula, bardana, barba-de-bode, alcachofra, dente-de-leão, freixo, ortosifão, videira vermelha e ginjeira.
Tomar tais diuréticos, ainda que sob controle médico, é desaconselhável: eles fazem perder água, mas não gordura!
Mesmo no caso de “retenções de água”, os diuréticos são desaconselhados.
Os diuréticos também não são indicados para o tratamento da celulite, das anomalias ligadas à água que sejam tratadas por drenagem linfática ou por melhora do estado circulatório venoso.
Tratar-se com plantas pode não ser inofensivo! Em 2000, em conseqüência de um erro de manipulação, uma planta que entra na composição de ervas chinesas, utilizada na Bélgica para perda de peso, foi trocada por uma outra, tóxica para os rins e cancerígena (Aristolochia fangchi). Vários pacientes foram vítimas de lesões renais gravíssimas, que os levaram a tratamento por diálise ou a transplante. Além disso, entre os indivíduos tratados, foram diagnosticados 36 casos de câncer das vias urinárias.
Extratos tireoidianos
A insuficiência tireoidiana pode, excepcionalmente, ser a causa do excesso de peso. Mas não há nenhuma razão para que um médico
prescreva extratos tireoidianos se a tireóide funcionar bem. Essa prescrição, ao contrário, por colocar a glândula tireóide em repouso, tem o risco de provocar um hipotireoidismo (baixa dos hormônios produzidos pela tireóide) fictício.
A idéia de tomar extratos tireoidianos para perder peso surgiu do fato de que, em caso de hiperfunção da tireóide (hipertireoidismo), o
excesso de secreção do hormônio tireoidiano (a tiroxina) provoca emagrecimento.
Mas os extratos tireoidianos, na verdade, pouco atuam sobre a queima das gorduras. Eles agem ligeiramente sobre a termogênese, contudo, sua ação é essencialmente concentrada sobre os músculos.
Eles atacam a massa magra e não a massa gorda… Não devemos esquecer que o coração é um músculo.
Por outro lado, esses remédios têm efeitos colaterais muito incômodos: angústia, palpitação, taquicardia, tremores. Eles podem até precipitar a ocorrência de uma angina de peito preexistente ou mesmo favorecer alterações importantes do ritmo cardíaco.
Quando, apesar de tudo, eles são prescritos, também costumam estar escondidos em preparações complexas, sob a máscara de nomes
químicos complicados ou de abreviações científicas.
Eles também são prescritos sob forma de plantas em fitoterapia.
Vegetais simples como as laminárias ou o fuco parecem bem inofensivos, mas eles agem através do iodo que contêm, como os extratos
tireoidianos… Eles até fazem parte da composição de certos adesivos “antiobesidade”; nesse caso, sua difusão no organismo é, sem dúvida, bem menor do que se fossem ingeridos.
Laxantes
Quer se apresentem sob a forma de comprimidos ou, de maneira mais dissimulada, sob forma de plantas (sene, cascara, babosa, ruibarbo etc.), os laxantes só fazem acelerar a eliminação das fezes. Eles permitem também a perda de água, mas não têm nenhum efeito sobre as gorduras… Esses purgantes drásticos podem, aliás, levar a um déficit de potássio que provoca cãibras, cansaço muscular e até distúrbios cardíacos. Além disso, certos laxantes são irritantes para o intestino e favorecem o aparecimento de uma temível doença chamada “doença dos laxantes”, que consiste, notadamente, em espasmos dolorosos do cólon.
As pessoas que sofrem de distúrbios do comportamento alimentar (anorexia, bulimia) freqüentemente recorrem (além dos vômitos) aos laxantes. Elas provavelmente ignoram que eles apenas aceleram a evacuação do cólon, mas não impedem a absorção dos nutrientes no intestino delgado. Ou, então, são vítimas de uma fantasia de limpeza e purificação.
Os laxantes, aliás, são raramente prescritos hoje (preferimos medidas dietéticas), salvo em casos de pessoas idosas. São, portanto, totalmente contra-indicados no quadro de um regime para emagrecer.
Por fim, falemos aqui de uma nova moda, a da hidroterapia cólica, que se assemelha às lavagens que os médicos prescreviam… há um século, ou mesmo, aos clisteres tão caros aos médicos de Molière. Essa operação visa limpar o cólon de todos os seus dejetos, por meio de uma lavagem sob pressão. Supostamente, isso favorece o início do emagrecimento, permitindo melhores trocas no cólon. Nenhum estudo científico sério, no entanto, jamais veio comprovar essas afirmações.
Antidepressivos
Essa categoria de medicamentos compreende um grande número. Alguns, como os tricíclicos, engordam.
Outras moléculas (a fluoxetina e a fluvoxamina, por exemplo), que aumentam a taxa de serotonina no cérebro, diminuem a atração pela comida e em determinado momento trouxeram esperança quanto a poderem ser utilizadas para emagrecer. Elas agem muito favoravelmente (em tratamentos curtos) nos casos de bulimia e têm ação terapêutica sobre um distúrbio de comportamento alimentar, mas nem por isso queimam as gorduras. Esses produtos não receberam a autorização para serem prescritos como auxiliares do tratamento para excessos de peso.
Em contrapartida, se uma pessoa com excesso de peso está deprimida e um tratamento se impõe, seu médico preferirá prescrever um antidepressivo a um tricíclico. Infelizmente, esses últimos têm muitos efeitos colaterais que tornam difícil sua tolerância (41% das pessoas que receberam prescrição para usá-los são obrigadas a interromper o tratamento por causa de seus efeitos indesejados).
Moderadores de apetite
Elaborados à base de anfetaminas, são substâncias químicas poderosas que agem sobre os neurotransmissores do cérebro (como a serotonina), diminuem o apetite e são fortes estimulantes. Por isso, são capazes de provocar um estado de excitação sobre o qual se instalarão distúrbios de comportamento. Seu maior defeito é levar a uma grave dependência, causa de toxicomania. Portanto, são drogas na acepção estrita do termo.
Ao interromper o tratamento, freqüentemente sobrevêm, além de uma síndrome aguda de abstinência, uma depressão nervosa que pode até levar ao suicídio. No Brasil, eles estão proibidos desde 11 de julho de 1997 e há poucas fraudes nesse campo
Dexfenfluramina ou Isomeride®
Comercializado na década de 1980, era uma anfetamina fluoretada cujo efeito estimulante havia sido suprimido e que, portanto, não provocava toxicomania. Ela agia sobre o metabolismo da serotonina cerebral, regulando o apetite e favorecendo a sensação de saciedade.
Mas era mal tolerada: 37% daqueles que a tomavam viam-se obrigados a interromper o tratamento.
Aqueles que a suportavam e continuavam o tratamento perderam, em média, ao fim de 11 meses, 2,7 quilos a mais do que os que tomavam placebo (cápsula não contendo nenhum princípio ativo e que serve de comparação durante uma experimentação de um medicamento). A diferença foi considerada muito pequena. Mas, dois meses depois do fim do tratamento, os indivíduos sob placebo haviam recuperado, em média, apenas um quilo por mês, enquanto aqueles que haviam sido postos sob dexfenfluramina recuperaram dois quilos!
Então, era grande a tentação de prosseguir o tratamento por mais tempo ou multiplicar os tratamentos. Em 1995, venderam-se na França 5 milhões de caixas desse medicamento (eram necessárias duas caixas para um mês de tratamento)…
Surgiram, então, mesmo em tratamentos de curta duração, complicações graves que não haviam sido observadas durante as pesquisas realizadas com animais. Na verdade, elas levaram tempo para aparecer em seres humanos – e eram temíveis.
Em alguns pacientes, diagnosticou-se hipertensão arterial pulmonar primitiva muito grave, tendo, por conseqüência, sufocações anormais diante de esforços e desmaios. O medicamento foi, então, retirado do mercado francês em 1997. No Brasil, esses medicamentos foram proscritos em 3 de julho de 2000, quando estudos científicos comprovaram que podiam provocar lesões das válvulas cardíacas.
Mais dramático é o fato de que, no geral, as pessoas que foram vítimas He efeitos colaterais (entre as quais muitas mulheres), na realidade, precisavam perder somente poucos quilos e a prescrição do tratamento era apenas um “apoio psicológico”! Em princípio, ele era reservado as obesidades maiores, mas sob a pressão dos pacientes que queriam de qualquer jeito tomá-los, alguns médicos deixaram-se convencer…
Prescrita na França para cerca de 7 milhões de pessoas entre 1986 e 1997, a dexfenfluramina teria provocado 30 mortes e uma centena de vítimas de danos pulmonares graves, que só puderam sobreviver com um tratamento para toda a vida ou graças a um transplante de pulmões.
Nos Estados Unidos, o Redux® (associação de fentcrmina e dexfenfluramina) fez ainda mais estragos: além dos casos de hipertensão arterial pulmonar, ele está na origem de danos às válvulas cardíacas. Quatro mil americanos já foram indenizados pelos tribunais pelo prejuízo sofrido!
Sibutramina
Comercializada desde 1998 no Brasil, essa molécula próxima da anfetamina age sobre o metabolismo da noradrenalina e da serotonina, nos centros da fome do cérebro. Ela favorece a saciedade e limita a baixa da termogênese (ver pergunta de n? 20) durante a perda de peso.
Deve ser prescrita associada a um programa de emagrecimento às pessoas com excesso de peso que não responderam satisfatoriamen-te a um regime (perda de peso inferior a 5%, após três meses), àquelasque apresentam uma verdadeira obesidade, com 1MC de 30 ou mais, ou que tenham IMC superior a 26, embora já com manifestações de fatores de risco – diabetes do tipo II (ver pergunta de n? 33) ou taxa elevada de colesterol ou de triglicerídeos no sangue.
A prescrição de sibutramina, no entanto, é contra-indicada em casos de antecedentes coronarianos ou de hipertensão arterial (HTA) mal controlada. A duração máxima do tratamento é de um ano.
Estudos mostraram que o número de pessoas submetidas a esse tratamento que perderam ao menos 10% de seu peso inicial é três vezes maior do que o daquelas que tomaram placebo. Além disso, ele aparentemente faz baixar a glicemia e a taxa de colesterol quando estes estavam altos demais.
Mas a sibutramina apresenta alguns efeitos colaterais: perda de apetite, constipação, ressecamento da boca, taquicardia, palpitações,náuseas, cefaléias, suores, alterações do paladar e, sobretudo, aumento da pressão arterial.
Na França, em 2002, foram recenseados 99 casos de efeitos colaterais sérios, dos quais dez graves, embora sem nenhum falecimento, ao contrário do que aconteceu na Itália e no Reino Unido (dois mortos em cada um dos países) e ainda nos Estados Unidos (29 mortos). A agência de avaliação de medicamentos européia (Agence d’Évaluation du Medicament Européenne – AEME) iniciou um processo para reavaliar a relação entre benefício e riscos do produto. Agora proibido na Itália, ele ainda é encontrado no Brasil, mas a Anvisa lançou um alerta aos médicos e sugere que sua prescrição inicial seja controlada.
Orlistat
Esse produto impede as enzimas (lipases) de digerir uma parte (cerca de 30%) dos lipídeos ingeridos à refeição. Eles não serão absorvidos, mas, sim, eliminados nas fezes. A quantidade assim eliminada corresponde a cerca de 20 gramas de gorduras, ou seja, o equivalente a 180 kcal. O orlistat é indicado associado a uma dieta hipocalórica (inferior a 1.500 kcal, 30% das quais lipídeos) para as pessoas que apresentam obesidade (IMC de 30 ou mais) ou IMC superior a 27 e
quando já existem fatores de risco, como diabetes do tipo II ou taxa elevada de colesterol ou de triglicerídeos no sangue.
O tratamento só deve ser experimentado se a dieta isoladamente já permitiu perda de peso de pelo menos 2,5 quilos em quatro semanas consecutivas.
A perda de peso é modesta em um ano: de cerca de 6,1 quilos, contra 2,6 quilos sob placebo. O orlistat melhora também o controle da glicemia dos diabéticos de tipo II e a taxa de lipídeos sangüíneos. Sua prescrição deve ser limitada a dois anos e é contra-indicada em caso de má absorção digestiva crônica, assim como em pessoas que apresentam insuficiência hepática e renal (disfunção do fígado e dos rins). Efeitos colaterais sobre a digestão são esperados (em mais de um quarto das pessoas tratadas) e penosos (flatulência, necessidade freqüente de evacuar, emissão de fezes muito gordurosas, corrimento anal gorduroso mais ou menos permanente). Contudo, eles contribuem para o aspecto pedagógico do produto: se comemos muita gordura, os efeitos secundários são muito incômodos, daí o desejo de comer menos gorduras, o que pode auxiliar o emagrecimento… Ainda que, até o momento, nenhuma conseqüência sobre o estado geral tenha sido percebida, nota-se, todavia, uma discreta diminuição das quantidades de vitamina lipossolúveis absorvidas pelo intestino delgado (vitaminas A, E, D e betacaroteno). Portanto, é preciso seguir uma dieta rica em frutas e legumes para compensar.
Por fim, surgiu uma inquietação dos resultados de uma pesquisa em que foram detectados 12 casos de câncer de mama em mulheres tratadas com o orlistat contra dois entre aquelas que receberam placebo. Essa descoberta levou os órgãos de controle americanos (Food and Drug Administration) a retardar a comercialização do orlistat nos Estados Unidos.
A novas pistas
A pesquisa sobre tratamentos do excesso de peso e da obesidade prossegue. Inúmeras moléculas estão em estudo: leptina, hormônio de crescimento, DHEA, agentes que aumentem a termogênese, peptídeos que agem sobre a digestão, substâncias que intervenham sobre o apetite, moléculas que ativam a queima das gorduras etc.
Mas é preciso saber que, no tratamento da obesidade, o medicamento é apenas um coadjuvante que intervém apenas num segundo momento, quando novos hábitos alimentares foram postos em prática. O medicamento vem, então, para potencializar os resultados aí alcançados.
Os efeitos colaterais às vezes associados devem ser objeto de acompanhamento médico regular estrito. Todos esperávamos que esses produtos, sucedendo-se uns aos outros fizessem emagrecer, mas, em razão dos dramas que esses medicamentos puderam causar, a relação entre os benefícios e os riscos deve ser cuidadosamente avaliada por cada um, conforme a própria fisiologia e estado físico.
Medicamentos não devem nunca ser prescrito para excesso de peso que não forem tão acentuados. Só se justificam se o IMC for igual ou superior a 30 e depois do fracasso ao menos parcial da dietética associada a um aumento da atividade física.