O corpo ideal sempre foi esbelto?

Quando os homens representaram o corpo humano pela primeira vez, foi o corpo da mulher que eles entalharam, modelaram ou esculpiram na pedra. Seios generosos, ancas largas, ventre proeminente, coxas e glúteos salientes: esses mesmos cânones de beleza caracterizam, por exemplo, as Vênus pré-históricas de Laussel e Lespuge (França) e a de Willendorf (Áustria). As representações dessas Vênus calipígias (isto é, donas de belas nádegas) provavelmente celebravam a força original e geradora, ou seja, a função reprodutora da mulher.

Pois bem: naquela época, a gravidez era perigosa e, assim como o aleitamento, necessitava de uma reserva suficiente de gordura, única garantia verdadeira contra os períodos de privação. A espécie humana só conseguiu sobreviver graças a tais reservas energéticas, preciosas nos tempos difíceis.

De 1900 a 1950

Na representação da figura feminina, a arte do começo do século XX oscilava entre a esbelteza das pinturas de Mucha e o erotismo bem construído dos quadros de Renoir ou Malliol.
Desde longa data, o espartilho servia para ocultar os torsos deformados pelo raquitismo ou os seios prejudicados pela tuberculose. Contudo, o progresso da medicina e da higiene o tornou obsoleto, e as mulheres redescobriram um corpo mais saudável. Então, em 1912, Paul Poiret lançou a moda da planche à pain, ou “tabuinha’. Agora, o corpo se veria livre de todo e qualquer entrave… enquanto permanecesse esbelto.
A Primeira Guerra Mundial veio consumar essa transformação.
Para as mulheres, muitas das quais substituíam nas fábricas os homens que estavam nas frentes de batalha, esse foi o ponto de partida da verdadeira emancipação, simbolizada pelo estilo à Ia garçonne ou “rapazinho”. Elas cortaram o cabelo bem curto e adotaram roupas leves e práticas.
O excesso de peso não estava em voga e certos periódicos (como, por exemplo, L’Illustration, um dos semanários mais lidos daquele tempo) traziam anúncios que apregoavam os méritos de miraculosos produtos para emagrecer.

A época contemporânea

Na arte, em menos de um século, a evolução dos cânones da beleza feminina foi das mulheres gordinhas de Renoir às esqueléticas de Giacometti, para entrar numa era em que reina aquilo que poderíamos denominar “mania de magreza’.
Após a Segunda Guerra Mundial, os corpos, que durante o conflito haviam sofrido por um longo período com a privação e a falta de comida recobraram a plenitude. Já não era mais preciso racionar e os rostos rechonchudos e felizes da publicidade serviam de testemunha desse retorno à abundância.

Nas décadas de 1950 e 1960, foram as pinups e as atrizes americanas que encarnaram a mulher ideal. As curvas exuberantes de Rita Hayworth e Marilyn Monroe enchiam os homens de fantasia. Na França, Brigitte Bardot arrebatava a preferência do público. No Brasil, tínhamos Odete Lara, Norma Bengell…

Nos anos 70, o movimento feminista veio reivindicar uma silhueta a um só tempo delgada e andrógina. Na Inglaterra, viva Twiggy, “O Graveto”, modelo que teve sucesso mundial! E, na França, viva a atriz e cantora Jane Birkin!

Depois, a década de 1980 valorizou um corpo que continuava esbelto, mas cujo busto era mais generoso. O status social da mulher mudou: graças à pílula, ela assumiu o controle de sua sexualidade; e, na maioria das vezes, também trabalhava. Ativa, seu corpo devia ser musculoso: nascia o fitness.
Durante os anos 90, as estrelas de Hollywood foram pouco a pouco destronadas pelas top models, novos ícones da beleza feminina. Seus corpos descarnados (as medidas dessas moças eram de embasbacarO se tornaram referência para as mulheres, sobretudo as adolescentes: Kate Moss tinha 1,70m e 44 quilos; Joddie Kidd, 1,88m e 57 quilos; e a brasileira Shirley Mallmann, 1,80m e 56 quilos!

Contudo, as modelos pagaram o preço dessa magreza, tanto no âmbito físico quanto no psíquico: dependência de drogas, diversos distúrbios de saúde, intervenções cirúrgicas com maior ou menor freqüência etc. O estilista Azzedine Aliaia, numa edição que a revista Elle francesa dedicou ao tema, em 1996, deplorou essa tendência da moda:
“As jovens magras nunca fizeram os homens sonhar e as ossudas estão longe de serem cânones de beleza. Do que gosto na mulher são suas formas, sua voluptuosidade. [ … ] O mais importante é tirar proveito de sua personalidade”.

Apesar dos protestos que se faziam ouvir, tal tendência se acentuava ainda mais, atingindo o auge em 1998: era o reinado do junkie chie, ou seja, da magreza extrema, quase cadavérica, realçada pela maquiagem lívida. Alguns anunciantes reagiram, ameaçando tirar sua publicidade das revistas de moda. Uma marca francesa de cosméticos, ainda mais combativa, não hesitou em apelar para outdoors nos quais a estrela era uma modelo de corpo cheio ao estilo do pintor flamengo Rubens (1577-1640), com o seguinte slogan: “Há 3 bilhões de mulheres. E somente oito top models”.

Até mesmo a boneca Barbie ganhou medidas mais “realistas” … embora conservasse uma plástica mais próxima da de Cindy Crawford do que a das mortais comuns.

Também em Hollywood observou-se uma mudança: as novas estrelas do cinema mundial, como a cantora e atriz Jennifer Lopez, por exemplo, assumiam um físico cheio de curvas. A personagem Bridget Jones, interpretada pela atriz Renée Zellweger, tinha uns quilinhos a mais… ainda que achasse difícil aceitá-los.

Essa evolução foi tanto mais necessária porque a morfologia das mulheres mudou. Os especialistas do ramo das confecções calcularam que, na média, a cintura das francesas aumentou cerca de 6,0 cm em 40 anos: as medidas eram 95-62-95 em 1956, passaram a 87-65-93 em 1983 e chegaram a 90-68-95 em 1997. Hoje, 40% das mulheres francesas usam manequim 42. No Brasil não existem estudos semelhantes, mas acredita-se que, em média, elas usem manequim 44.

Mas, então, a tendência neste começo do século XXI será finalmente a vingança das rechonchudas?

Mesmo se, cada vez mais, o excesso de peso também é malvisto nos homens, a verdade é que as pressões da moda são exercidas principalmente sobre as mulheres. As dietas continuam a ser destaque nas revistas femininas; as publicações masculinas que surgiram nos últimos anos tendo aquelas como fonte de inspiração se preocupam menos com o peso do que com a musculatura. Se tanto o excesso de peso quanto a magreza parecem ausentes nos modelos masculinos, estes oscilam entre o tipo andrógino ambíguo e o sedutor de corpo viril, musculoso, trabalhado. Segundo as revistas, o homem moderno é adepto do fitness, sem, contudo, ser uma caricatura de Rambo… Mas, se não é magricela, também está longe de ser gordo.

Em todo caso, esse rápido panorama nos mostra que, conforme a época e a cultura, o que “acreditamos ser belo” não tem nada de imutável… A história da representação do corpo, feita de alternâncias, não é mais que um eterno recomeçar. A moda muda – por isso, é inútil tentar se submeter a ela! Decerto não será dali que deveremos esperar soluções; antes, precisaremos procurá-las em nós mesmos. Pois, gordos ou magros, talvez já esteja na hora de cada um finalmente aceitar o próprio biotipo.

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